quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Esses nosso olhos, de João Nunes

O universo é infinito mas cabe na palavra. O verso mais bonito sabe bem mais do que lavra. O que me é imerso, contudo, não é muito mais do que nada se sou só outra palavra no teu vasto universo.

Mas faz de conta que nos conhecemos hoje. A primeira vez que nossos olhos se olharam se reconheceram e notaram, que não eram dois, ao total eram quatro. Esses olhos, olhos que de tanto olhar falam, embora só agora vemos que nunca entenderemos realmente as verdades que falam esses olhos que nos olham. E por vezes, indignados com nossa surdez, choram. Choram um sim, choram um não, lavam amanhãs, e inundam ontens. Choram sincronizados, choram calados, choram os olhos que nos falam.

Outras vezes, contudo, se negam, tão altivos, a verter uma lágrima que seja, marrentos se mantêm secos. Esquivos, fogem dos dedos, não querem afagos. Mas se prestássemos atenção, ouviríamos que, amargos, quando acham que estamos distraídos eles falam entre si, falam de um sim ou de um não, falam do amanhã e do ontem, falam os olhos dos olhos que nos faltam.

Faz de conta então, coração, que nos conhecemos hoje. E cada amanhã será um hoje. A cada dia será na magia do primeiro encontro que se reencontrarão nossos olhos, quando se refletirem, tão contentes, talvez chorem, se se permitirem, claro. Choram os olhos que se olham.

Quero assim, viver eternamente só mais este momento, olhos marejados se reconhecendo, diferentemente, pela centésima "primeira vez", se encontrando e se perdendo, sorrindo e cedendo lágrimas de alegrias pelos dias que ainda trazem saudades das idades que ainda hão de vir. Sonham os olhos que nos calam.

Até que um certo dia, que também será, fatalmente, outro hoje, ora, quando esses olhos de tanto olhar nos verão se aproximando, retornando de um lugar qualquer onde eles não podiam se avistar, vão então, vibrar, com o reencontro na milésima "primeira vez", felizes apenas por se olhar. E eu te imploro, coração, não diga nada, querida se quiser e puder me abraça, mas não, não fala: olha.
Faz de conta que nos conhecemos hoje.

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