domingo, 29 de janeiro de 2012

Quando chegar minha hora...

Um velório deveria ter a beleza do outono, toda a beleza do último adeus. Os oficiantes teriam de ser os melhores amigos. Que sabem os profissionais da religião da beleza que morava naquele corpo? Quanto a mim, não desejo ser enterrado em ataúde. Sofro de 
claustrofobia. A idéia de ficar trancado numa caixa me causa arrepios. Acho a cremação um lindo ritual. Neruda declarou que os poetas são feitos de fogo e fumaça. As cinzas, soltas ao vento, lançadas sobre o mar, colocadas ao pé de uma árvore, são símbolos da leveza, da liberdade e da vida. Teria de haver música, do canto gregoriano ao Milton. E poesia. Nada de poesia fúnebre. Cecília Meireles para dar tristeza. Fernando Pessoa para dar sabedoria. Vinicius de Moraes para falar de amor. Adélia Prado para fazer rir. 
(Rubem Alves)

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