Resumo do dia!

1º Tempo

A professora entra na sala e se depara com um sonho de valsa sobre a mesa. 

- É pra mim? - ela pergunta. Afinal nunca se sabe.

Todos riem. Menos um. Esse, levemente, sorri "de canto".

A professora insiste.

- É pra mim?

Novo rebuliço na sala. Uns gritam " é meu", outros "sim, tia". E ela, sentindo o reconhecimento de UM aluno, sorri por dentro. Não chora, como pensariam algum de vocês, mas teve vontade.

Então ela diz:

- Agradeço a quem me ofertou esta lembrança e, como ninguém quer se apresentar como autor deste carinho, entenderei como uma lembrança da turma, sim?

- Simmmmmmmmmmmmmmmmmm (excesso de M para valorizar a gritaria).

E lá estava ele, o menino, mexendo na mochila desde que entrara na sala, procurando por nada ou será que procurava coragem para se revelar? E não é que no momento em que a professora olhou diretamente para ele com um leve aceno de cabeça o guri disse baixinho:

- Fui eu.

Sorriram, cúmplices que haviam se tornado naquele exato momento.

2º Tempo

A professora se retira para que a de Espanhol entre e dê inicío ao estudo da língua estrangeira. Tudo estava indo muito bem, tanto que até uma mãe apareceu "com a cara e a coragem" sabendo o filho que tem, para conhecer a professora que, neste ano, tem o poder de reprovar seu filho ou não. Conversa vai, conversa vem, se entendem. A professora pensa "essa é mãe, mãe de verdade, sabe quem é o filho e não se envergonha de dizer que sabe, de dizer que já tentou de tudo, mas que também sabe o quanto ele é um menino bom e carinhoso". Concorda.

Tempinho vago, muita gripe e dor de cabeça, senta no pátio para relaxar um pouco e seus ouvidos apontam numa mesma direção: sua sala de aula. Pegando fogo.

- Foi ele, tia!, grita um.

- Mentira!, grita outro.

- É verdade! Ele chamou ele de gay, tia!, mais um se pronuncia.

E assim o descanso da tia oficial vira um pesadelo.

Desce até a secretaria e pergunta:

- Vocês me ouvem daqui? Ouvem as crianças?

- Já ouvi sua voz lá da pracinha!, diz a ajudante.

- Não, não muito!, diz a secretaria.

- Essa turma é a pior...diz a professora de Inglês.

Vergonha é a única coisa que sente. Vergonha de saber que a instituição rotula tudo: o professor, o aluno, a turma...

Volta pra sala, pede desculpas a professora que sai quase chorando e entra FURIOSA.

- Tia, pode guardar o material?, perguntam dois ou três.

- Não!

A aula que seria de Português vira uma aula de cidadania, de explicação sobre direitos e deveres, de amor, de carinho, de respeito.

- Como vocês vão cobrar respeito se não se respeitam? Se não respeitam nem o colega de classe? Vocês acham que estou feliz sabendo que esta turma não respeita ninguém?! O que vão pensar de nós? Porque me incluo neste grupo; faço parte dele. Somos juntos. estamos juntos.

Um pequeno se atreve a interromper a professora.

- Desculpa, tia.

- E adianta pedir desculpas e amanhã continuar a mesma coisa? Hein?

- Não.

O silêncio toma conta da sala, cabeças reclinadas sobre a mesa, os olhos atentos àquela figura desconhecida, antes a "tia" naquele momento a "professora". Professora bruxa má é o que vocês querem? Terão.

"Não" e "desculpa, tia", foram algumas palavras sussurradas na imensa onda de silêncio que brotou daquele belo vulcão.

3º Tempo 

Choro. Muito choro. A escola toda chorava nesta tarde de segunda-feira. 

Socorro!, quis gritar a professora. Exausta que estava do período da manhã (como sabem, professor precisa de mais de um colégio para tentar sobreviver). De repente escuta alguém gritar seu nome. Corre para ver o que é e...choro. O menino não quer ficar. Grita, esperneia, se arranha, se debate, CHORA.

- Você não quer ficar mais na escola? Não gosta mais da tia?

- Não, não gosto.

Era melhor não ter perguntado.

- E dos amigos?

- Também não.

Ai,ai,ai,ai,AI. Só quem não pode gritar é ela e, com certeza é a que mais precisa.

Vai pra sala com as crianças que ainda gostam dela. Algumas horas depois o menino aparece, senta, faz as atividades... é como se nada tivesse acontecido.

E aconteceu?

Vida de professor é isso aí: e ela gosta.

(Amanda Azevedo - eu)